Djalmira Sá Almeida
A Teoria do
Conhecimento
A teoria
do conhecimento propriamente dita tem início na Idade Moderna, no século XVII,
com Galileu e outros cientistas que, ao criarem um novo modelo de investigação
do mundo fenomenal e ao redefinirem o papel das ciências particulares,
despertaram nos filósofos uma preocupação com os fundamentos, as
possibilidades, os limites e o alcance do conhecimento humano, além de certa
reserva aos argumentos de autoridade que prevaleceram durante toda a Idade
Média.
Filósofos
como Descartes, Bacon, Leibniz, Espinoza, Locke, Berkeley e Hume foram os
autores responsáveis pelo surgimento de duas grandes correntes que traduzem o
sentido dos tempos atuais: o racionalismo e o empirismo.
O racionalismo
fundamenta a sua teoria do conhecimento na supervalorização da razão como o
único instrumento capaz de atingir as verdades universais, sobre as quais se
assentam as bases de uma ciência pretensamente infalível. Ao passo que o empirismo
se baseia na experiência, supervalorizando os sentidos e relativizando as
operações subseqüentes da razão, na busca da verdade, cujo caráter universal e
absoluto é questionado. Os empiristas têm na realidade concreta e visível os
subsídios para a construção do verdadeiro conhecimento.
Para
descobrir se é possível alcançar o conhecimento e sua plenitude, a história
fornece duas posturas: o ceticismo que afirma a impossibilidade de
conhecer a verdade e o dogmatismo que diz o contrário. [...].
De volta
ao passado, caminhando ao encontro dos filósofos gregos, é possível perceber o
predomínio de três tipos de problemas: cosmológico, antropológico e metafísico.
Entre os filósofos pré-socráticos, prevaleceu a necessidade de direcionar o conhecimento para a busca da origem (arché) do universo. Desejavam conhecer e compreender de onde vinha o mundo; quem ou o que o fez; do que era constituído. Voltaram a atenção para os problemas cosmológicos (kosmos, mundo, universo).
Entre os filósofos pré-socráticos, prevaleceu a necessidade de direcionar o conhecimento para a busca da origem (arché) do universo. Desejavam conhecer e compreender de onde vinha o mundo; quem ou o que o fez; do que era constituído. Voltaram a atenção para os problemas cosmológicos (kosmos, mundo, universo).
Os sofistas,
especialistas na arte de bem falar, tinham como finalidade preparar o homem
grego para ser cidadão, político, isto é, um habitante da pólis, capaz de
argumentar e defender seus pontos de vista, no exercício do cotidiano da
democracia grega. Preocupavam-se em
ensinar os homens a falar bem, independentemente da verdade ou falsidade de
suas afirmações. É fácil perceber que o conceito da verdade se tornou relativo,
impossibilitando a construção de toda e qualquer ciência. Se de um lado o foco
de atenção dos sofistas se dirigiu para os problemas antropológicos (antropos,
homem), elegendo o ser humano como objeto de suas preocupações, de outro
desvirtuaram a possibilidade de apreensão de conhecimentos verdadeiros, ao
transformarem o homem na medida de todas as coisas.
Sócrates (479-399 a .C.), movido pela
necessidade de superar o relativismo e o ceticismo dos sofistas e convencido da
importância de fazer ciência fundamentada em verdades universais (unus versus
allia, uma que se opõe a todas as outras; aquelas que têm validade em qualquer
lugar, em qualquer tempo e para qualquer indivíduo), resgatou o objeto de
estudo dos sofistas e passou a examiná-lo utilizando um método que se processa
em duas etapas: ironia e maiêutica.
Por meio
de perguntas e respostas rápidas, Sócrates levava o seu interlocutor a
reconhecer o seu falso conhecimento e sua ignorância: Só sei que nada sei.
[...] Despojado das falsas verdades, nasce dentro do homem o desejo de saber,
de construir o conhecimento adequado. Dessa forma, através da maiêutica (do
grego maieutiqué/tecné, que significa: a arte de dar à luz), Sócrates auxiliava
os homens a darem à luz a verdade, fundamento possível de toda ciência.
Os pré-socráticos
se detiveram no exame dos problemas cosmológicos; os sofistas e Sócrates,
embora motivados por finalidades e objetivos absolutamente diversos, se
voltaram para o estudo dos problemas antropológicos. Platão e Aristóteles
elegeram os problemas metafísicos como alvo da Filosofia. Platão e Aristóteles,
também estavam preocupados com a busca da verdade para fazer ciência e superar
o domínio da opinião (do grego, doxa),
uma questão vital e polêmica para dois filósofos pré-socráticos: Heráclito de
Éfeso e Parmênides de Eléia.
Para Heráclito
(535–465 a.C.), a essência do universo reside no movimento. Diz ele: O que
existe não é o ser, mas o que vem a ser. Nada há de real, além do movimento.
Tudo muda, nada permanece. Dessa maneira, ele inviabilizou o conhecimento, já
que não era possível estabelecer qualquer tipo de relação entre sujeito e
objeto, ambos em constante mudança.
Na visão
de Parmênides (529 – 490
a .C.), a única realidade é o ser. Diz ele: O ser é e não
pode não ser. O ser é eterno, imóvel, sem começo e sem fim. Dessa forma, só o
ser existe e só o ser é real e só pode ser pensado e conhecido o que é real: o
ser. Para Parmênides, o movimento é aparente e a realidade sensível, uma
ilusão. Identifica ser e conhecer: só é possível conhecer aquilo que é. Não é
difícil perceber o problema metafísico que se estabeleceu com ambos os
filósofos: a conciliação entre o devir (constante vir-a-ser) e o ser, bem como
o valor do duplo conhecimento, quer dos sentidos (Heráclito), quer da razão (Parmênides).
Platão (420-348 a .C.) tentou superar
essas dificuldades através do dualismo: propôs a existência de dois mundos: o
mundo sensível, das aparências, domínio da opinião, onde viviam os homens, e o
mundo das idéias, eterno, imutável e verdadeiro, domínio da ciência, do qual o
mundo sensível é apenas uma cópia imperfeita. Assim, as idéias se tornaram o
único objeto possível do conhecimento. Ao eleger as idéias como objeto e fonte
exclusiva do verdadeiro conhecimento, Platão abriu caminho para o idealismo ou
racionalismo idealista, que vigorou a partir da Idade Moderna.
Aristóteles (385-322 a .C.), discípulo de
Platão, perante a polêmica instaurada por Heráclito e Parmênides, optou por uma
solução bastante diferente daquela de seu mestre. As idéias ou essências não
existem em um mundo à parte. Elas se encontram presentes em dado ser e podem
ser conhecidas por meio da abstração, operação realizada pela inteligência a
partir dos dados obtidos pelos sentidos por meio da percepção sensível.
Enquanto Platão enfatizava as idéias, Aristóteles reconheceu no mundo das
coisas concretas o ponto de partida para o conhecimento do ser, reintegrando no
mundo material as essências que Platão havia transformado em modelos ideais e
reais.
Assim, a
teoria aristotélica se fundamenta no realismo (do latim res, coisa), tendência
filosófica segundo a qual a realidade existe independentemente de o homem
conhecê-la ou não, e o conhecimento tem origem na experiência sensível, na
percepção das coisas reais, concretas e particulares das quais foram extraídas
as essências para elaborar os conceitos universais que permitem a elaboração da
ciência.
Durante
toda a Idade Média, prevaleceu a necessidade de harmonizar a herança
filosófica greco-romana com os princípios do cristianismo. Buscava-se conciliar
razão e fé. Os filósofos medievais encontraram em Platão e Aristóteles os
fundamentos teóricos para efetivar tal conciliação. De um lado, surgiram os
seguidores do platonismo, entre os quais deve-se destacar Santo Agostinho
(354 – 430), de outro lado, os adeptos do aristotelismo, cujo maior expoente
foi Santo Tomás de Aquino (1225-1274).
O tomismo se caracterizou pela tentativa de conciliar a autoridade da
Igreja com o saber aristotélico. A síntese efetivada por Santo Tomás de Aquino,
que encontrou em Aristóteles os fundamentos filosóficos para a teologia cristã,
dominou o pensamento medieval, essencialmente teocêntrico (Deus como centro de
tudo).
A Filosofia e o Renascimento
O
Renascimento, ao resgatar o antropocentrismo (o homem como centro do universo)
questionou a autoridade papal, propiciou o surgimento do protestantismo e
acabou com a hegemonia da Igreja Católica; além de recuperar o racionalismo
naturalista grego, abrindo caminho para a construção do conhecimento
científico, preparando também o terreno para atuação do homem moderno. Durante
a Idade Antiga e Média, a realidade do mundo era inquestionável e enfatizada
era a existência do objeto, conhecido através da sua essência. A crença no
poder sem limites da razão que marcou o pensamento moderno, atingiu o seu ponto
alto com o iluminismo, no séc. XVIII, também conhecido como Século das Luzes. A
verdadeira sabedoria só seria possível através da razão.
Immanuel
Kant
(1724 - 1804) foi um dos principais representantes do iluminismo. Suas obras, Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e Crítica da Faculdade de Julgar (1790),
submetem a razão a um exame rigoroso para verificar a possibilidade de alcance
da razão como instrumento de acesso ao conhecimento. Por isso, sua filosofia
foi também chamada de criticismo kantiano. Kant reconheceu a existência de dois
tipos de conhecimento: o empírico (a
posteriori) obtido por meio da experiência sensível; e o puro (a priori) que não depende da experiência
e das impressões dos sentidos e produz juízos necessários e universais.
Ele
também atribuiu ao sujeito a elaboração do conteúdo do conhecimento por intermédio
de condições subjetivas que são as faculdades e suas respectivas formas: a
sensibilidade, espaço e tempo, entendimento, categorias de unidade,
pluralidade, totalidade, realidade, negação, limitação, substância,
causalidade, comunidade, possibilidade, existência e necessidade.
Assim, o
conhecimento começa com as experiências sensíveis que atingem os sentidos: a
matéria do conhecimento são as impressões que o sujeito recebe dos objetos
exteriores, de maneira desorganizada, desordenada. Os dados empíricos são
organizados logicamente pelo espaço e tempo, formas a priori da sensibilidade.
A filosofia kantiana é também denominada idealismo transcendental: o sujeito constrói o conhecimento e dá significado e sentido à realidade a partir de categorias subjetivas a priori (idealismo); o conhecimento não está particularmente voltado para os objetos, mas para o modo de conhecê-los aprioristicamente (transcendental).
A filosofia kantiana é também denominada idealismo transcendental: o sujeito constrói o conhecimento e dá significado e sentido à realidade a partir de categorias subjetivas a priori (idealismo); o conhecimento não está particularmente voltado para os objetos, mas para o modo de conhecê-los aprioristicamente (transcendental).
Kant revolucionou a
Filosofia ao atribuir ao sujeito um papel determinante no ato de conhecer. Este
já não resulta de uma adequação do sujeito a uma realidade exterior, mas sim de
uma construção mental apriorística do espírito.
Eis uma citação de Kant:
A razão só vê o que ela mesma produz segundo o objeto, que ela deve ir à frente com princípio de seus juízos segundo leis constantes e deve obrigar a natureza a responder as suas perguntas, sem se deixar, porém, conduzir por ela como se estivesse presa a um laço. (...) Até agora se supõe que todo o nosso conhecimento deveria regular-se pelos objetos; porém todas as tentativas de estabelecer algo a priori sobre ele através de conceitos por meio dos quais o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sobre esta pressuposição. (...) Admitindo-se que o nosso conhecimento de experiência se regule pelos objetos como coisas em si mesmas, ver-se-á que o incondicionado não pode ser pensado sem contradição, admitindo-se em compensação, que a nossa representação das coisas como nos são dadas se regule não por estas como coisas em si mesmas, mas antes estes objetos como fenômenos se regulem pelo nosso modo de representação, ver-se-á que, a contradição desaparece. (Kant, 1974: 11- 13)
O criticismo kantiano,
ao sintetizar entre o racionalismo e o empirismo provocou o surgimento, de um
lado, dos idealistas (Fichte, Schelling e Hegel) que enfatizaram a postura do
sujeito como construtor do conhecimento a partir de categorias a priori, concebendo a realidade como
produto exclusivo do pensamento humano: de outro lado, dos positivistas
(Comte e seguidores) que destacaram o valor da experiência sensível como
fundamento epistemológico das ciências, enfatizando o real como objeto de
investigação do espírito positivo.
Em Kant, chama-se
dialético o uso especulativo, não experimental e não científico, da razão. A
dialética transcendental trata das idéias puras da razão, e se chama assim
porque as idéias se defrontam com oposições insolúveis, isto é, que permitem a
sustentação tanto da tese quanto da antítese. Deste modo, tanto é possível
sustentar o determinismo quanto a liberdade, tanto a infinitude quanto a
finitude, a existência quanto a inexistência.
Finalmente, a dialética
adquire o sentido mais próximo do que irá servir ao marxismo. Para Hegel,
compreender a natureza é representá-la como um processo. O Ser é a Idéia que se
exterioriza e se manifesta nas obras que produz e que se interioriza voltando a
si mesmo e reconhecendo a sua produção. Esse movimento da Idéia, de
exteriorização e interiorização se faz por contradições. Sendo que essa
estrutura contraditória do real, a dialética, passa por três momentos: tese – o
da identidade; antítese - o da contradição; e, síntese - o da positividade ou
negação da negação. [...].
BIBLIOGRAFIA
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GARCIA,
Othon M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: FGV, 1980.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 3ª ed. Lisboa: Fundação Galouste Gulbekian, 1994. (Tradução do original alemão: Kritk der Reinen Vernunt por Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 3ª ed. Lisboa: Fundação Galouste Gulbekian, 1994. (Tradução do original alemão: Kritk der Reinen Vernunt por Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).
Texto
recortado e adaptado, disponível em www.webartigos.com em 02\08\2008.
Djalmira é
formada em Letras.
Possui , Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado em
Filologia e Lingüística de Língua Portuguesa. Aposentou-se como Professora
Adjunta de Português da Universidade Estadual de Londrina - Paraná. Atualmente
é Diretora acadêmica da Faculdade de Itaituba- Pará. Escreve artigos,contos e
poesias; ministra aulas de Latim e Teoria em Letras e História.
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